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“[...] o que a transtorna assim tão profundamente, a faz rir, andar e chorar sem motivo, o que a impele a amar e a odiar, o que a impulsiona hoje para o bem e amanhã para o mal, o que a obriga a procurar sempre novas sensações e frequentes emoções, o que a torna, enfim, senhora de uma alma complicada e ansiosa, é que a minha deliciosa cliente é uma ‘enervada’”. 

Essas palavras, do início do romance Enervada (1922), de Chrysanthème, pseudônimo da escritora carioca Cecília Moncorvo Bandeira de Melo Vasconcelos, nos lançam no imaginário daquela que ficou conhecida, sobretudo na passagem do século XIX para o XX, como uma questão do feminino por excelência: a histeria. Inventada como espetáculo e como imagem pelo neurologista francês Jean-Martin Charcot, entre os muros da Salpêtrière, em Paris, a histeria passou a dizer desse feminino instável e ambíguo que vemos na descrição de Chrysanthème, imerso em um paradoxo de emoções intensas e conflitantes, às voltas com o tédio de uma existência que não corresponde ao ímpeto dos seus desejos e da sua imaginação. A descrição do romance tampouco esquece a nota de erotismo que é inseparável de qualquer abordagem que se faça da histeria. 

Nesta oficina de escrita, vamos partir da obra de Chrysanthème para apresentar algumas das mais conhecidas histéricas da psicanálise freudiana e da cena clínica de Charcot, entre elas, Augustine, Geneviève, Anna O., Dora e Emmy Von N., colocando-as em diálogo com certas personagens fictícias da literatura brasileira e também estrangeira (as próprias histéricas foram ficcionalizadas por meio das mais diferentes linguagens artísticas), deixando emergir a voz, os silêncios e, sobretudo, o grito de cada uma delas, as variações das suas “atitudes passionais” e do seu delírio tornado linguagem.

Da “enervada”, de Chrysanthème, que se embriaga com o aroma forte que sobe dos jasmins brancos do seu jardim, até Lóri, esfinge histérica de Clarice Lispector que se confunde com o seu perfume e faz dele uma espécie de páthos da sua existência, passando por certas personagens que dão a impressão de estarem sempre à beira do abismo na escrita estilhaçada de Hilda Hilst, como o menininho que vai colher crisântemos no conto “Fluxo”, de Fluxo-Foema, e o crisântemo, flor sem perfume, apenas irradia um odor de escuridão e morte, as “vaporosas”, como eram chamadas as histéricas no século XVIII, já exalavam os eflúvios de sua alma atormentada nas páginas de um dos maiores clássicos da literatura: Madame Bovary, de Gustave Flaubert; e elas também assombram os versos de Baudelaire condenados a fugir para o horizonte como um “prazer vaporoso”, dedicados à “Musa doente” de olhos fundos ou às “Mulheres condenadas”, “ora entregues ao pranto, ora entregues ao grito”. 

A partir de um convívio com essas e outras histéricas vindas da arte, da literatura e da psicanálise, vamos propor exercícios de escrita que exploram gêneros e formatos variados, desde relatos autobiográficos até ficcionais, e que se construam a partir do que chamamos processos de intensificação histérica da linguagem. Vamos pensar em textos que são arrastados e tumultuados por aquele que Georges Didi-Huberman chamou o “vento do sintoma”, esse vendaval de lembranças das quais sofrem as histéricas e as imagens de modo geral, capaz de perturbar e subverter a palavra e a forma literária, fazendo dela um acidente, uma ruína, um corpo extático em metamorfose contínua. 

PALAVRAS ENERVADAS: as histéricas na psicanálise, na arte na literatura

R$ 480,00Preço
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